Colonizadores europeus e Índios
Em “Imagens da Colonização: a representação dos índios de Caminha a Vieira”, no capitulo intitulado, Bárbaros e Colonizadores, resultado da tese de doutoramento, o doutor em História Social, Ronald José Raminelli analisa a ambiguidade da representação do índio no imaginário europeu no período colonial. Seu objetivo é “observar como os atributos dos bárbaros impregnavam as representações dos ameríndios e, ainda explorar como o conceito atuou no âmbito colonial”. (Raminelli, p.55).
Para dar conta de tal objetivo, Ronald Raminelli fez um levantamento de fontes em bibliotecas e arquivos, passando por cartas jesuíticas, tratados filosóficos, gravuras, pinturas, cartas geográficas, mapas produzidos no século XVI, no Brasil e no exterior. Ao analisar e confrontar essas fontes, o autor percebe que o estereótipo de bárbaro, um conceito criado pelo filósofo Aristóteles, para denominar a inferioridade dos povos vizinhos, e a superioridade da civilização grega, percorreu a Idade Média, “atravessou o Atlântico e encontrou solo fértil nas narrativas de viagens. Bárbaros eram os guerreiros e seus eternos embates seres sem Lei, sem Rei, sem Fé”. (Raminelli, p.54).
O conjunto das idéias e imagens da qual fazia parte a mentalidade dos europeus no século XVI acerca do “Velho Mundo”, fora projetado sobre aquilo que os navegadores, como Marco Pólo, - filho de um experiente navegador, que partiu para o Oriente aos dezessete anos, em sua primeira viagem pelo mar, - descrevia em suas viagens. Esses relatos, mesmos cheios de superstições e fantasias obtiveram bastante sucesso e deixaram marcas na história e cartografia.
Por causa desse modo de identificação que os europeus viram no “Novo Mundo”, vários monstros e criaturas fantásticas e maravilhosas permeavam no imaginário coletivo. Até os séculos XV e XVI, quando ocorreram as grandes navegações, acreditava-se que monstros habitavam as Índias. À medida que os navegadores foram chegando a tais regiões, fora-se também desmistificando essa idéia. Porém criou-se outro imaginário. As criaturas monstruosas deveriam estar em outras terras desconhecidas, que deveriam ser o oceano Atlântico e o “Novo Mundo”. No livro Monstros e maravilhas no Brasil Colonial. In: Esquecidos por Deus. Monstros no mundo europeu e ibero-americano (XVI – XVII) da autora Mary del Priore, editado em 2000 pela Companhia das Letras, pode-se verificar iconografias de cinocéfalos (criaturas com corpo humano e cabeça de cachorro que comiam carne humana), ciclopes (monstros caracterizados por ter um único olho no meio da testa), e outras criaturas que habitavam regiões desconhecidas.
O historiador Ronald Raminelli, no intuito de entender as várias versões da representação do índio no imaginário europeu, levando sempre em conta o contexto que permeavam as relações do período colonial, realiza um confronto entre imagens e textos elaborados nessa época sobre este tema.
Para isso, o historiador Raminelli se utiliza das fontes anteriormente citadas para dar conta em responder a tal questão acerca da mentalidade européia no que tange os ameríndios do século XVI.
Ronald Ramilelli, na defesa de seu conceito, que é um elemento chave para uma discussão historiográfica, deixa claro porque sua pesquisa merece ser realizada. O historiador vai explanando historicamente o que já foi produzido sobre o tema, e o limite dessa produção. Nessa explanação ele se detém em cartas jesuíticas, tratados filosóficos, gravuras, pinturas, cartas geográficas e mapas produzidos no Brasil e no exterior, no século XVI.
Sua primeira fonte a ser utilizada são as gravuras de Étienne Delaune. Suas gravuras retratam os índios em combates. O mais nos chama a atenção é o fato de Delaune nunca ter cruzado o mar para verificar a veracidade das informações contidas no texto La cosmographie universalle, datada de 1575 e produzida por André Thevet, no qual ele tomou por base. Apesar de
Raminelli cita que Delaune ao compor suas gravuras, usando como fonte o texto do cosmógrafo André Thevet, descrevendo o confronto que ele intitula de selvagem, o primeiro torna evidencialmente intensificado os atributos do que ele chama de selvagem no combate ameríndio. Ele ainda ressalta o barbarismo e cria elementos que não existia na gravura e no texto de André Thevet.
A conotação de bárbaro aos ameríndios também se encontra na arte de Jean Mignon, intitulada “ Luta entre homens nus”. Relatos de viagens publicados na Europa em meados do século XVI, ilustrada e editada por Teodor de Bry, elenca imagens dedicadas às batalhas entre os nativos. Atlas elaborado pelo cartografo Diogo Homem em 1558, também é utilizado como fonte por Raminelli. Fora produzido também por ele, duas cartas em 1565 e 1568, na qual é representado as cerimônias antropofológicas. Raminelli evidencia o erro acometido acerca dessa cerimônia. O historiador se utiliza ainda de cartas escritas pelo padre Manoel da Nóbrega e outros religiosos que relataram os esforços da catequese e ainda a menção ao canibalismo. Cartas marítimas do final do século XVI evidenciam também o ritual antropofágico.
O conhecimento elaborado entre imagem e textos elaborados ao longo do século XVI que o doutor em História Social, Ronald Raminelli elenca, demonstra não somente a difusão dos estereótipos acerca da imagem de barbárie ameríndia, como também o desprezo pela realidade através da observação do real.
Elementos como a antropofagia ameríndia ainda povoam o imaginário coletivo. A pintura de Theodor de Bry é reveladora das representações criadas pelo europeu, no começo dos tempos modernos, para o nativo brasileiro.[5]
Notadamente, os etnólogos têm contribuído para uma investigação pormenorizada das sociedades indígenas. Dos mais antigos, escorados em Lèvi-Strauss, até os mais recentes como Roberto Cardoso de Oliveira, Maria Manuela Carneiro da Cunha, entre outros, procuraram se debruçar sobre o sentido da guerra, a organização social, as relações de parentesco, a religiosidade, e uma vastidão de assuntos, pormenorizando assim o universo social e cultural do índio. Contudo, e apesar dos notáveis trabalhos no campo etnológico, tais abordagens não substituem as análises históricas; estas se constituem um campo ainda embrionáriono no Brasil.
A historiografia brasileira, no entanto, vale-se de exemplos notáveis de autores que direcionaram suas análises para esse âmbito. Trabalhos como o de Stuart B. Schwartz, Segredos Internos; Ronaldo Vainfas, A heresia dos Trópicos; Ronald Raminelli, Imagens da colonização, ajudaram a diminuir o grande vazio que se formou por falta de abordagens mais específicas. É preciso insistir, porém, que as lacunas permanecem. A pesar do brilho de tais trabalhos, a história do indígena permanece adormecida, ou sendo compreendida a partir de pseudo-interpretações. Se ampliarmos o poder da nossa lente, perceberemos que nos níveis escolares do ensino fundamental ao ensino médio, as representações construídas para o indígena brasileiro são ainda mais distorcidas e comprometedoras. Infelizmente o livro didático ainda é ponto das discussões e produções acadêmicas. O pouco que se tem avançado nessa área nas universidades, ainda não atingiu em cheio os manuais didáticos.
A historiografia brasileira, no entanto, vale-se de exemplos notáveis de autores que direcionaram suas análises para esse âmbito. Trabalhos como o de Stuart B. Schwartz, Segredos Internos; Ronaldo Vainfas, A heresia dos Trópicos; Ronald Raminelli, Imagens da colonização, ajudaram a diminuir o grande vazio que se formou por falta de abordagens mais específicas. É preciso insistir, porém, que as lacunas permanecem. A pesar do brilho de tais trabalhos, a história do indígena permanece adormecida, ou sendo compreendida a partir de pseudo-interpretações. Se ampliarmos o poder da nossa lente, perceberemos que nos níveis escolares do ensino fundamental ao ensino médio, as representações construídas para o indígena brasileiro são ainda mais distorcidas e comprometedoras. Infelizmente o livro didático ainda é ponto das discussões e produções acadêmicas. O pouco que se tem avançado nessa área nas universidades, ainda não atingiu em cheio os manuais didáticos.
Reduzir a contribuição da cultura indígena a sua "herança" (vocabulário, comidas...), tal como vemos nos livros didáticos, é empobrecer a sua história.[6]
Após de um estudo dialógico conceitual no que tange o imaginário europeu acerca dos nativos no século XVI, percebe-se que, os europeus não viam os indígenas como seres humanos com o modo de vida diferenciado, mas identificaram-nos com “homens selvagens”, desclassificando seus costumes e hábitos. Agora o que pretende-se é o levantamento de um debate para que se compreenda a legitimação nos ideais europeus da conquista do “Novo Mundo”.
AGNOLIN, Adone. O apetite da Antropofagia
Alessandra El Far - Doutora do Departamento de Antropologia da USP.
BORGER, Mirela. Breve histórico da antropologia _Cronista e viajantes.
PRIORE,Mary del. Monstros e maravilhas no Brasil Colonial. In: Esquecidos por Deus. Monstros no mundo
europeu e ibero-americano (XVI – XVII), Ed. Companhia das Letras (2000).
RAMINELLI, Ronald. Bárbaros e colonizadores. In: Imagens da Colonização: a representação do Índio de
Campanha a Vieira. Rio de Janeiro: Jorge Zanhar, 1996, p.66.
Os Tupis e os Tapuias de Eckhout: o declinio da imagem renacentista do indio.
Yobenj Aucardo Chicangana-Bayona
Professor Associado do Departamento de História. Faculdade de Ciencias Humanas e Econôomicas. Univerdidade Nacional de Coilombia, Medellín. Doutor em História. Universidade Federal Fluminense, Niterói.
[2] Idem
[3] AGNOLIN, Adone. O apetite da Antropofagia
[4] BORGER, Mirela. Breve histórico da antropologia _Cronista e viajantes.
[5] Alessandra El Far - Doutora do Departamento de Antropologia da USP.
Yobenj Aucardo Chicangana-Bayona
Professor Associado do Departamento de História. Faculdade de Ciencias Humanas e Econôomicas. Univerdidade Nacional de Coilombia, Medellín. Doutor em História. Universidade Federal Fluminense, Niterói.