terça-feira, 5 de julho de 2011

Colonizadores europeus e Indios


Colonizadores europeus e Índios


Em “Imagens da Colonização: a representação dos índios de Caminha a Vieira”, no capitulo intitulado, Bárbaros e Colonizadores, resultado da tese de doutoramento, o doutor em História Social, Ronald José Raminelli analisa a ambiguidade da representação do índio no imaginário europeu no período colonial. Seu objetivo é “observar como os atributos dos bárbaros impregnavam as representações dos ameríndios e, ainda explorar como o conceito atuou no âmbito colonial”. (Raminelli, p.55).
Para dar conta de tal objetivo, Ronald Raminelli fez um levantamento de fontes em bibliotecas e arquivos, passando por cartas jesuíticas, tratados filosóficos, gravuras, pinturas, cartas geográficas, mapas produzidos no século XVI, no Brasil e no exterior. Ao analisar e confrontar essas fontes, o autor percebe que o estereótipo de bárbaro, um conceito criado pelo filósofo Aristóteles, para denominar a inferioridade dos povos vizinhos, e a superioridade da civilização grega, percorreu a Idade Média, “atravessou o Atlântico e encontrou solo fértil nas narrativas de viagens. Bárbaros eram os guerreiros e seus eternos embates seres sem Lei, sem Rei, sem Fé”. (Raminelli, p.54).   
O conjunto das idéias e imagens da qual fazia parte a mentalidade dos europeus no século XVI acerca do “Velho Mundo”, fora projetado sobre aquilo que os navegadores, como Marco Pólo, - filho de um experiente navegador, que partiu para o Oriente aos dezessete anos, em sua primeira viagem pelo mar, - descrevia em suas viagens. Esses relatos, mesmos cheios de superstições e fantasias obtiveram bastante sucesso e deixaram marcas na história e cartografia.
Por causa desse modo de identificação que os europeus viram no “Novo Mundo”, vários monstros e criaturas fantásticas e maravilhosas permeavam no imaginário coletivo. Até os séculos XV e XVI, quando ocorreram as grandes navegações, acreditava-se que monstros habitavam as Índias. À medida que os navegadores foram chegando a tais regiões, fora-se também desmistificando essa idéia. Porém criou-se outro imaginário. As criaturas monstruosas deveriam estar em outras terras desconhecidas, que deveriam ser o oceano Atlântico e o “Novo Mundo”.  No livro Monstros e maravilhas no Brasil Colonial. In: Esquecidos por Deus. Monstros no mundo europeu e ibero-americano (XVI – XVII) da autora Mary del Priore, editado em 2000 pela Companhia das Letras, pode-se verificar iconografias de cinocéfalos (criaturas com corpo humano e cabeça de cachorro que comiam carne humana), ciclopes (monstros caracterizados por ter um único olho no meio da testa), e outras criaturas que habitavam regiões desconhecidas.
O historiador Ronald Raminelli, no intuito de entender as várias versões da representação do índio no imaginário europeu, levando sempre em conta o contexto que permeavam as relações do período colonial, realiza um confronto entre imagens e textos elaborados nessa época sobre este tema.
Para isso, o historiador Raminelli se utiliza das fontes anteriormente citadas para dar conta em responder a tal questão acerca da mentalidade européia no que tange os ameríndios do século XVI.
Ronald Ramilelli, na defesa de seu conceito, que é um elemento chave para uma discussão historiográfica, deixa claro porque sua pesquisa merece ser realizada. O historiador vai explanando historicamente o que já foi produzido sobre o tema, e o limite dessa produção. Nessa explanação ele se detém em cartas jesuíticas, tratados filosóficos, gravuras, pinturas, cartas geográficas e mapas produzidos no Brasil e no exterior, no século XVI.
Sua primeira fonte a ser utilizada são as gravuras de Étienne Delaune. Suas gravuras retratam os índios em combates. O mais nos chama a atenção é o fato de Delaune nunca ter cruzado o mar para verificar a veracidade das informações contidas no texto La cosmographie universalle, datada de 1575 e produzida por André Thevet, no qual ele tomou por base. Apesar de
Raminelli cita que Delaune ao compor suas gravuras, usando como fonte o texto do cosmógrafo André Thevet, descrevendo o confronto que ele intitula de selvagem, o primeiro torna evidencialmente intensificado os atributos do que ele chama de selvagem no combate ameríndio. Ele ainda ressalta o barbarismo e cria elementos que não existia na gravura e no texto de André Thevet.
A conotação de bárbaro aos ameríndios também se encontra na arte de Jean Mignon, intitulada “ Luta entre homens nus”. Relatos de viagens publicados na Europa em meados do século XVI, ilustrada e editada por Teodor de Bry, elenca imagens dedicadas às batalhas entre os nativos. Atlas elaborado pelo cartografo Diogo Homem em 1558, também é utilizado como fonte por Raminelli. Fora produzido também por ele, duas cartas em 1565 e 1568, na qual é representado as cerimônias antropofológicas. Raminelli evidencia o erro acometido acerca dessa cerimônia. O historiador se utiliza ainda de cartas escritas pelo padre Manoel da Nóbrega e outros religiosos que relataram os esforços da catequese e ainda a menção ao canibalismo. Cartas marítimas do final do século XVI evidenciam também o ritual antropofágico.
O conhecimento elaborado entre imagem e textos elaborados ao longo do século XVI que o doutor em História Social, Ronald Raminelli elenca, demonstra não somente a difusão dos estereótipos acerca da imagem de barbárie ameríndia, como também o desprezo pela realidade através da observação do real.
O que compunha o perfil bárbaro era a guerra e a antropofagia. A crueldade e a barbaridade são sentimentos próprios de seres incapazes de conter sua natureza animal. Nesse sentido os teólogos espanhóis da época, consideram esses canibais como animais. Que se alimentavam de carne humana como se essa carne fosse um alimento qualquer[1].
Para Raminelli o termo bárbaro é empregado na Antiguidade, par denominar todos aqueles que não pertenciam á civilização grega, com objetivo de destacar a superioridade do povo grego. E empregada no âmbito colonial para justificar a necessidade de conquista e intervenção sobre os ameríndios.
Em torno da natureza dos ameríndios, surge debate entre Genis de Sepúlveda (filósofo jurista) e Bartolomé de Las Casas (missionário dominicano). Sepúlveda aponta que “Tais nações são bárbaras e desumanas vida civil e aos costumes pacíficos. E será sempre justo e conforme o direito natural que estas pessoas estejam submetidas ao império de  príncipes  e de nações  mais  cultas e humanas”.
Las Casas lança mão de uma arguciosa teórica contesta o caráter bárbaro dos índios e a legitimidade de submissão dos ameríndios aos espanhóis, obedecendo literalmente á teoria aristotélica e de escravidão. E quanto as teorias aristótelicass, lembra que o filosofo defendia que todas as rações não gregas eram bárbaras.[2]
Lãs Casas admite esses povos como humanos, possuidores de uma cultura e costumes próprios. Para chegar até eles, era preciso levar em conta minimamente a maneira como pensavam. Fazê-los acreditar na Verdade usando seus próprios meios, língua e cultura... Fazê-los obedecer dentro de sua própria estrutura: a escravidão tradicional não dava conta disso, pois era um sistema muito diferente daquele com o qual estavam acostumados até então. A prática da encomienda levava isso em conta: era um sistema de revezamento de trabalho e dias livres que já estava presente de alguma forma na organização dos grandes impérios. No entanto, mesmo em moldes mais “indígenas”, a exploração continuava impiedosa e a mortalidade indígena só fazia aumentar. Obviamente, o controle dessas situações deveria ser rigidamente praticado.[3]
Ainda defende que o traço mais semelhante dos índios é a sua semelhança com os cristãos, e que não há uma diferença de natureza entre os homens, pois todos podem tornar se cristãos. E defende que “para aqueles que pretendem que os índios são bárbaros, respondemos que estas pessoas têm aldeias, vilas, reis, senhores, e uma ordem política que em alguns reinos, é melhor do que a nossa”.[4]
Raminelli ressalta que Lãs Casas, comprovou que os ameríndios não eram responsáveis pelo barbarismo, e que os procedimentos pouco civilizados eram determinado pela cultura. A diferença entre os homens não se resumiria ao âmbito psicológico: explicava-se pela variedade de hábitos, costumes, tradições. E os ameríndios não seriam inferiores aos espanhóis, nem incapazes de viver sem a sua tutela, ma não avançariam na escala evolutiva.
Dessa maneira Las Casas não apenas aceita outras culturas, mas consolida a força da sua própria tradição cultural, Lutou perante seus contemporâneos pela soberana política e religiosa dos povos nativos do Novo Mundo, sem negar o choque da civilização.
O índio tem ocupado um espaço microscópico em nossa historiografia. Esse lugar infinitamente pequeno e secundário que foi dedicado à história indígena tem legado esses povos ao esquecimento, ou lembrados subitamente em flashs sensacionalistas. O índio tem uma história; uma história inegavelmente plural. É necessário então reconstituir o cenário; desconstruir abordagens simplistas que eurocentrizaram as análises, configurando o indígena num ambiente social exótico e primitivo.
Elementos como a antropofagia ameríndia ainda povoam o imaginário coletivo. A pintura de Theodor de Bry é reveladora das representações criadas pelo europeu, no começo dos tempos modernos, para o nativo brasileiro.[5]
Notadamente, os etnólogos têm contribuído para uma investigação pormenorizada das sociedades indígenas. Dos mais antigos, escorados em Lèvi-Strauss, até os mais recentes como Roberto Cardoso de Oliveira, Maria Manuela Carneiro da Cunha, entre outros, procuraram se debruçar sobre o sentido da guerra, a organização social, as relações de parentesco, a religiosidade, e uma vastidão de assuntos, pormenorizando assim o universo social e cultural do índio. Contudo, e apesar dos notáveis trabalhos no campo etnológico, tais abordagens não substituem as análises históricas; estas se constituem um campo ainda embrionáriono no Brasil.
           A historiografia brasileira, no entanto, vale-se de exemplos notáveis de autores que direcionaram suas análises para esse âmbito. Trabalhos como o de Stuart B. Schwartz, Segredos Internos; Ronaldo Vainfas, A heresia dos Trópicos; Ronald Raminelli, Imagens da colonização, ajudaram a diminuir o grande vazio que se formou por falta de abordagens mais específicas. É preciso insistir, porém, que as lacunas permanecem. A pesar do brilho de tais trabalhos, a história do indígena permanece adormecida, ou sendo compreendida a partir de pseudo-interpretações. Se ampliarmos o poder da nossa lente, perceberemos que nos níveis escolares do ensino fundamental  ao ensino médio, as representações construídas para o indígena brasileiro são ainda mais distorcidas e comprometedoras. Infelizmente o livro didático ainda é ponto  das discussões e produções acadêmicas. O pouco que se tem avançado nessa área nas universidades, ainda não atingiu em cheio os manuais didáticos.
Reduzir a contribuição da cultura indígena a sua "herança" (vocabulário, comidas...),   tal como vemos nos livros didáticos, é empobrecer a sua história.[6]
Após de um estudo dialógico conceitual no que tange o imaginário europeu acerca dos nativos no século XVI, percebe-se que, os europeus não viam os indígenas como seres humanos com o modo de vida diferenciado, mas identificaram-nos com “homens selvagens”, desclassificando seus costumes e hábitos. Agora o que pretende-se é o levantamento de um debate para que se compreenda a legitimação nos ideais europeus da conquista do “Novo Mundo”.


                                                                                                                Luis da Silva Pereira

Referências Bibliográficas:

AGNOLIN, Adone. O apetite da Antropofagia

Alessandra El Far - Doutora do Departamento de Antropologia da USP.

BORGER, Mirela. Breve histórico da antropologia _Cronista e viajantes.

PRIORE,Mary del. Monstros e maravilhas no Brasil Colonial. In: Esquecidos por Deus. Monstros no mundo
     europeu e ibero-americano (XVI – XVII), Ed. Companhia das Letras (2000).

RAMINELLI, Ronald. Bárbaros e colonizadores. In: Imagens da Colonização: a representação do Índio de
      Campanha a Vieira. Rio de Janeiro: Jorge Zanhar, 1996, p.66.

Os Tupis e os Tapuias de Eckhout: o declinio da imagem renacentista do indio.
Yobenj Aucardo Chicangana-Bayona
Professor Associado do Departamento de História. Faculdade de Ciencias Humanas e Econôomicas. Univerdidade Nacional de Coilombia, Medellín. Doutor em História. Universidade Federal Fluminense, Niterói.


1 RAMINELLI, Ronald. Bárbaros e colonizadores. In: Imagens da Colonização: a representação do Índio de Campanha a Vieira. Rio de Janeiro: Jorge Zanhar, 1996, p.66
[2] Idem
[3] AGNOLIN, Adone. O apetite da Antropofagia
[4] BORGER, Mirela. Breve histórico da antropologia _Cronista  e viajantes.
[5] Alessandra El Far - Doutora do Departamento de Antropologia da USP.
[6] Os Tupis e os Tapuias de Eckhout: o declinio da imagem renacentista do indio.
Yobenj Aucardo Chicangana-Bayona
Professor Associado do Departamento de História. Faculdade de Ciencias Humanas e Econôomicas. Univerdidade Nacional de Coilombia, Medellín. Doutor em História. Universidade Federal Fluminense, Niterói.