DEPOIMENTO DE MUTILADO DO MASSACRE DE ELDORADO DO CARAJAS.
Depoimento de José Carlos
Agarito - SOBREVIVENTE
Depoimento
de José Carlos Agarito, 27
Você vive como?
Eu trabalho na roça. Não trabalho muito, mas faço um
esforço. A cabeça dói. Eu vou pelejando a vida até onde Deus quiser. Estou
lutando. Ontem mesmo eu estava plantando arroz, amanhã eu vou de novo. Vou
sofrendo até quando Deus quiser. Os médicos nos mandam sentar, perguntam o que
a gente tem e entregam um remédio. É a mesma coisa que se eu estivesse comendo farinha.
Eu começo a tomar, vejo que não serve para nada e deixo pra lá.
Como você
se lembra do dia do Massacre?
Nós estávamos em uma negociação para conseguir uns ônibus
para Belém ou para Marabá. Pedimos 50 ônibus e eles disseram que iam ver se conseguiam.
Eles voltaram e disseram que não tinham conseguido. Aí o major Oliveira disse
“é melhor mesmo vocês fecharem a estrada que com pressão vocês conseguem”.
Caímos na cantada do infeliz e por quatro horas fechamos a estrada. Ninguém
passava. Então os ônibus chegaram, mas cheios de polícia. Não teve conversa.
Chegaram jogando bomba e atirando.
Eu estava no meio. Corria de um lado para o outro. Olhei
pra uma companheira que pediu ajuda. Ela estava morrendo e eu em cima.
Acertaram um tiro em mim e eu caí no chão. Foi um sofrimento muito feio. Eu sei
que até hoje nós sofremos, querendo trabalhar e sem poder. O major Oliveira
ligou pra coronel Pantoja para ver o que fazer. O Pantoja ligou para o Almir
Gabriel, governador do estado na época, e falou “rapaz é o seguinte, eu quero
que vocês tirem estes homens da estrada. Façam do jeito de vocês”. O único
jeito que eles acharam foi esse. Quando eu já estava baleado, eles nos mandaram
deitar e fechar os olhos. Falaram para nós caçarmos empregos e nos mandaram correr.
Pegaram um companheiro nosso, o Oziel, e terminaram de matar ele no hospital.
Eles deram um tiro nele dentro do hospital e ele gritando o nome do movimento,
“MST, MST”.
Você acredita
no número oficial?
Não. Eu acredito que foram mais mortos. Eu acho que
morreram mais de cem pessoas. Eu queria saber sobre as crianças e as mulheres
que estavam lá. Nenhuma apareceu, só os homens. Muita gente diz que viu um
caminhão e um carro pequeno, cobertos de lona preta e sangue, descendo para o
sentido de Xinguara.
O-que-você-cente?
Nós tentamos esquecer, mas não esquecemos não. Sinto muita dor, muito sofrimento. É uma coisa que vai ficar para os filhos, para os netos, para o resto da vida. A gente não esquece não. Um sofrimento muito magoado mesmo.
Nós tentamos esquecer, mas não esquecemos não. Sinto muita dor, muito sofrimento. É uma coisa que vai ficar para os filhos, para os netos, para o resto da vida. A gente não esquece não. Um sofrimento muito magoado mesmo.
A luta valeu a pena?
Valeu porque nós recebemos um pedacinho de terra. Nós
colhemos arroz, milho, feijão, mandioca, melancia, abóbora. Na época em que eu
morava na cidade, se nós quiséssemos comer uma abóbora, uma melancia, um milho,
e não tivéssemos dinheiro, não comíamos. Ficávamos só olhando, com gosto na
boca. Hoje não. Hoje temos tudo.
Passaria por tudo de novo?
Passaria não. O sofrimento foi muito grande.
Até hoje ninguém foi preso?
Não. Diz que foram julgados uns cabras lá, mas não tem
ninguém preso. A minha vontade é ver os comandantes presos. O Almir Gabriel, o
major Oliveira e o coronel Pantoja. Isso eu queria ver. Queria que o Almir
Gabriel ficasse por nossa conta. Almir Gabriel. Eu ia trazer ele aqui para
dentro da vila e fazer ele trabalhar um ano para nós, para ele saber porque nós
estávamos lá na curva do S. Cortar arroz, arrancar mandioca, fazer farinha,
assim ele iria saber que este povo queria trabalhar, não vagabundear. Para ele
ficar preso não funciona. Ele ia ficar sem ver o sol, sem ver nada. Mas a
televisão e o celular estão lá.
Você recebeu
indenização?
Ainda não. Estou recebendo um dinheirinho, mas dizem que
nós ganhamos na justiça. Até agora, nada.